Nota Técnica da Câmara de Vereadores de Pindaré – Mirim

NOTA TÉCNICA Nº 1/2013/CMPM-CL.
INTERESSADO: Presidência da Câmara Municipal
ASSUNTO: Projeto de Lei nº 15/2013, que dispõe sobre a criação, no âmbito do Poder Executivo, de órgãos e cargos e a fixação de sua remuneração.

1. Introdução 
Na sessão plenária do dia 13.12.2013, sexta-feira, a Câmara Municipal de Pindaré-Mirim aprovou o Projeto de Lei em epígrafe, que dispõe sobre a criação do Departamento Municipal de Trânsito – DMT, da Junta Administrativa de Recursos de Infração – JARI, a criação de cargos do Poder Executivo e a fixação de sua remuneração.

No dia 15.12.2013, domingo, blogueiros postaram comentários na Web censurando a aprovação do dito Projeto de Lei, que segundo eles, já teria sido aprovado em 2006 pela corporação legiferante local.
É livre a manifestação do pensamento (art. 5º, IV, da Constituição Federal). Contudo é temerário alguém se arvorar de discorrer acerca de um tema tão complexo, sobre o qual não tem domínio algum, ou sem antes ter compulsado a bibliografia especializada, máxime quando se trata do processo constitucional de formação das leis e outros atos legislativos.
A respeito disso, o escritor e dicionarista inglês Samuel Jonson (1790-1784), com muita propriedade, anotou:
“Existe dois tipos de conhecimento: aquilo que você sabe e aquilo que você sabe onde encontrar”.
2.         Uma abordagem sintética sobre o processo legislativo
            De com os ensinamentos de Maria Helena Diniz (In: Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro interpretada. – 18ª ed., rev. e atual.  – São Paulo: Saraiva, 2013, p. 64-65), o processo legislativo é, a rigor, a fonte jurídica que compreende a elaboração de leis, ou melhor, de todas as categorias normativas referidas no art. 59 da Constituição Federal. Como o direito regula sua própria criação ou elaboração, o processo legislativo está previsto na Carta Federal.

A obra legislativa compreende, portanto, várias operações previstas constitucionalmente e levadas a efeito pelo órgão competente.

Em regra, os trâmites constitucionalmente previstos são: iniciativa, discussão, deliberação, sanção, promulgação e publicação.

Vale a pena lembrar que as leis que disponham sobre a criação de cargos, funções ou empregos públicos ou aumento de sua remuneração; a criação e extinção de órgãos do Poder Executivo Municipal são de iniciativa reservada ou privativa do Prefeito (art. 61, § 1º, alíneas a e e da Constituição Federal, observado o disposto no art. 84, VI; art. 51, incisos II e IV da Lei Orgânica do Município).

Do sempre atualizado magistério de Hely Lopes Meireles (Direito municipal brasileiro. – 17ª  ed. – São Paulo: Malheiros, 2013, p. 689-690) colhe-se que a usurpação dessa iniciativa conduz à irremediável nulidade da lei, insanável mesmo pela sanção ou promulgação, pois o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais inerentes às suas funções, como não pode delegá-las ou aquiescer em que o Legislativo as exerça.
3.         Das espécies normativas produzidas pela Câmara Municipal
            De conformidade com o art. 48 da Lei Orgânica do Município, “o processo legislativo municipal compreende a elaboração de: 1) emendas à lei orgânica; 2) leis complementares, leis ordinárias, medidas provisórias, decretos legislativo e resoluções”.

            A iniciativa dessas categorias normativas, sustenta Maria Helena Diniz (op. cit., p. 65), não é propriamente a fase inicial do processo legislativo, mas apenas o ato que o desencadeia, surgindo com a apresentação de um projeto de lei propondo a adoção de um direito novo.

            Quando for o caso, o ato que desencadeia a fase inicial da produção normativa surgirá com a apresentação de um projeto de decreto legislativo ou de um projeto de resolução.
            Como se vê, nem a lei, nem a doutrina, contemplam a existência da espécie de proposição sobre a qual a Câmara Municipal legislou em 2006: anteprojeto de lei.

            Além dos atos legislativos citados, o Plenário da Câmara Municipal delibera sobre os atos legislativos inominados, que no dizer de Hely Lopes Meirelles (op cit., p. 687) são de menor relevância do Legislativo, tais como requerimentos, indicações e moções, que dispensam promulgação, bastando que a tramitação atenda ao Regimento e a votação conste da ata, sendo publicado o resultado, para que produzam  seus efeitos internos e externos. São atos que não têm normatividade alguma e só incidem sobre o caso objeto da deliberação.

No texto disponível em periódico on-line se acha consignado literalmente:

“Quando vereador apresentei o Anteprojeto de Lei de nº 002/2006 no dia 16/03/2006, criando o Departamento Municipal de Trânsito, o qual foi discutido, votado e aprovado na ORDEM DO DIA 31/03/2006, inclusive com o voto favorável do atual presidente, João Lima Neto (PP). Informo ainda, que também fui o autor da Lei que criou a Guarda Municipal através do Anteprojeto de nº 01/2006”.

            Já se viu antes, o rol das espécies normativas sobre as quais o Plenário da Câmara Municipal delibera.

            Deveras, a espécie apresentada pelo legislador municipal à época –  Anteprojeto de Lei – não está ao abrigo do art. 59 da Constituição Federal, nem do art. 48 da Lei Orgânica do Município, que de forma sincrônica dispõem sobre o processo legislativo.

            Já se viu também que as leis que disponham sobre a criação de cargos, funções ou empregos públicos ou aumento de sua remuneração;  a criação e extinção de órgãos do Poder Executivo Municipal são de iniciativa reservada ou privativa do Prefeito. Vimos também, as consequências decorrentes da usurpação dessa prerrogativa institucional do Executivo pelo Legislativo.

            Daí ser crível que as leis que criaram o Departamento Municipal de Trânsito e a Guarda Municipal em 2006, originárias  dos Anteprojetos de nos 002/2006 e 01/2006, de iniciativa da Câmara, estão contaminadas de inconstitucionalidade processual (ou formal), por  não ter observado os trâmites de aprovação de uma lei, quanto material, porque o assunto versado na proposição aprovada vergastou regra da Constituição Federal e da Lei Orgânica do Município.

Esgotamos aqui as ponderações quanto ao devido processo legislativo, visto não ser este tema o vértice da presente querela.

A seguir, passamos à abordagem da técnica legislativa, que no conceito dado por Kildare Gonçalves Carvalho, notável Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (Técnica legislativa. – 5ª ed. rev. atual. e ampl. – Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 105) “consiste no modo correto de elaborar as leis, de forma a torná-las exequíveis e eficazes. Envolve um conjunto de regras e de normas técnicas que vão desde a necessidade de legislar até a publicação da lei”.
4.         Vigência e revogação da lei
Após publicada, a lei está pronta para produzir efeitos jurídicos. No entanto, a publicação não é suficiente para tornar a lei eficaz, o que irá decorrer da sua vigência. A própria lei irá indicar a data de sua vigência, que poderá ser distinta da data de publicação.
            Com relação à vigência temporal da norma, o art. 2º, caput, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro determina que “Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue” (grifo nosso).
            O § 1º do mesmo art. 2º do diploma suso prescreve: “A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior” (grifo nosso).
            Segundo Maria Helena Diniz (op. cit., p. 87-88) revogar é tornar sem efeito uma norma, retirando sua obrigatoriedade. A ab-rogação, p. ex., espécie do gênero revogação, é a supressão total da norma, por ter a nova lei regulado inteiramente a matéria, ou por haver entre ambas incompatibilidade explicita ou implícita. A derrogação, outra espécie do gênero revogação, no dizer da insigne autora citada, torna sem efeito uma parte da norma (grifo nosso e da autora).
            Em toda lei existe a chamada cláusula de revogação, com o objetivo de deixar claro que as disposições anteriores sobre o assunto que está sendo legislado deixam de vigorar a partir da expedição do novo ato.
Dos conhecimentos que agregamos no curso de  Processo e Técnica Legislativa realizado pelo Instituto Brasileiro de Administração Municipal – IBAM, no período de 24 de junho a 12 de julho de 2013, utiliza-se geralmente o último artigo da lei para indicar a revogação, sendo usadas duas formas mais comuns:
“Revogam-se as disposições em contrário.”;
“Revogam-se as disposições em contrário, especialmente a Lei nº ….., de ……… de 20XX”.
A primeira redação tem a vantagem de generalizar, afirmando a revogação de toda e qualquer disposição que seja contrária à nova ordem. A segunda redação, por sua vez, é usada quando se vislumbra a necessidade de indicar especificamente algum texto anterior, quando isso é possível.
Há, ainda, quem utilize uma terceira forma, que junta a cláusula de  revogação com a de vigência, resultando no seguinte formato:
“Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação, revogadas as disposições em contrário”.
Embora a citação dos atos revogados facilite o trabalho de pesquisa, é recomendável o uso da primeira redação, que abarca toda e qualquer legislação anterior, não corre o risco de omissão de alguma norma atingida e não acopla assuntos.
Dai que a revogação pode ser:
expressa, quando enumera claramente os atos revogados; e
tácita, quando for utilizada a forma genérica.
5.         Conclusão
            Em síntese, estes são os entendimentos que submetemos à consideração superior para aprovação:
a) a veiculação feita na Web é destituída de sentido, revela-se inteiramente impertinente e infundada;
b) não procede a alegação de que o Projeto de Lei nº 15/2013, que dispõe sobre a criação do Departamento Municipal de Trânsito – DMT, a Junta Administrativa de Recursos de Infração – JARI, a criação de cargos do Poder Executivo e a fixação de sua remuneração;
c) segundo o que foi disseminado em periódico on-line, em 2006 a Câmara legislou por meio de uma espécie de proposição – Anteprojeto de Lei – que não está ao abrigo da  Constituição Federal, nem da Lei Orgânica do Município;
d) a iniciativa reservada ou privativa do Prefeito, no caso em questão, foi usurpada pela corporação legiferante;
e) em 13.12.2013, a Câmara Municipal aprovou a revogação de uma norma pela superveniência de outra, segundo o princípio lex posterior derrocat lex anterior, acolhendo um texto atualizado em compatibilidade com as alterações introduzidas no Código de Trânsito Brasileiro e nas disposições da Resolução nº 357, de 2 de agosto de 2010, do Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN, regendo a mesma matéria;
f) as normas podem ser revogadas por normas superiores ou equipolentes (DINIZ, op. cit., p. 84);
g) as fórmulas utilizadas nas cláusulas de vigência e de revogação da norma revogadora foram:

“Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação”.
“Revogam as disposições em contrário”.

h) os Estado de Direito, como o nosso, são dominados pelo princípio da legalidade. Isto significa que a Administração e os administrados só se subordinam à vontade da lei – mas da lei corretamente elaborada. Ora, as leis inconstitucionais não são normas atendíveis, pela evidente razão de que colidem com mandamento de uma lei superior, que é a Constituição. Entre o mandamento da lei ordinária e o da Constituição deve ser atendido o desta, e não o daquela, que lhe é subordinada. Quem descumpre lei inconstitucional não comete ilegalidade, porque está cumprindo a Constituição (MEIRELLES, op. cit., p. 757, grifos do original).
ALDO ANTONIO DE SOUSA
Consultor Legislativo
Aprovo a presente Nota Técnica.
Encaminhe-se para publicação.
Pindaré-Mirim, 18 de dezembro de 2013.
Vereador  JOÃO LIMA NETO

Presidente da Câmara Municipal
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