Prefeitura de Santa Inês revoga seletivo da saúde após decisão judicial

Prefeitura de Santa Inês revoga seletivo da saúde após decisão judicial

A Prefeitura de Santa Inês, em obediência a decisão judicial oriunda do Processo nº 0800744-37.2020.8.10.0056 , da 1ª Vara da Comarca de Santa Inês – MA, revogou, por meio do Decreto nº 34, de 03 de junho de 2020, disponibilizado no Portal da Transparência, o Processo Seletivo que era destinado à contratação de profissionais da saúde para o combate a Covid-19.

Veja abaixo a decisão completa da Justiça que resultou na suspensão do processo seletivo:

DECISÃO

                    O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO MARANHÃO ajuizou AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER, COM TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA ANTECIPADA em desfavor do MUNICÍPIO DE SANTA INÊS/MA, ambos qualificados.

                    Em síntese, narra o Ministério Público Estadual que o Município de Santa Inês suspendeu o concurso público regido pelo edital 001/2019, através do edital n.º 001-028/2020 e, posteriormente, manteve a suspensão, atendendo recomendação do órgão, através do edital n.º 001-029/2020 sob a justificativa da pandemia, no dia 06 de abril de 2020, quando a próxima etapa seria a de títulos.

                    Relata ainda a representante do Ministério Público os procedimentos tomados no âmbito administrativo daquela Promotoria de Justiça de forma extensiva.

                    Informa que o Município de Santa Inês encaminhou o projeto de lei nº 004 e 005/2020, a Câmara de Vereadores de Santa Inês, convertendo-os nas Leis Municipais n.º 630/2020 e 631/2020, que tratam da criação de cargos, vagas e salários no quadro de pessoal temporário da Prefeitura Municipal de Santa Inês, somente para o enfrentamento da pandemia COVID-19, para atender as necessidades extraordinárias de combate ao coronavírus, bem como autoriza a realização de Seletivo para provimento dessas vagas e dá outras providências.

                    Afirma que os cargos que se visam preencher mediante contratações temporárias (Lei Municipal nº 631/2020) são cargos previstos no edital nº 001/2019, a exceção do cargo de médico anestesista, de modo que uma contratação temporária no momento, viola os princípios da legalidade, impessoalidade e eficiência.

                    Afirma também que a Lei Municipal nº 630/2020 padece de inconstitucionalidade, pois não se vislumbra a possibilidade de criação, no quadro de pessoal temporário da Prefeitura Municipal de Santa Inês, de cargos, vagas e salários, eis que, embora, em casos excepcionais e constitucionalmente previstos, haja a possibilidade de se preencher os cargos permanentes já existentes no âmbito da administração pública por meio de contratações temporárias, não existe “quadro de pessoal temporário”.

                    Requer Tutela Provisória de Urgência Antecipada, para suspender parcialmente o processo simplificado, edital de nº 001/2020, com prosseguimento apenas em relação ao cargo médico de anestesista, conforme número de vagas já existente na administração pública; continuidade do concurso público regido pelo edital n.  001/2010, de forma célere, diante da urgência e  previsão de que a entrega dos documentos, pelos concursados, necessários para as fases subsequentes, seja feito tanto em caráter físico quanto eletrônico, com declaração de autenticidade.

                    Ao final, pede a procedência do pedido para condenar o requerido em obrigação de não fazer, a fim de suspender o processo seletivo simplificado parcialmente e dar prosseguimento ao concurso público.

                    Acostado a inicial ministerial, procedimento administrativo deste órgão, registrado sob o n.º 000489-509/2020, incluso edital de convocação para prova de títulos às fls. 24/41, conforme id. nº 31234165; projeto de lei n.º 04/2020 e n.º 05/2020, respectivamente às fls. 12/15 e 17/19, Lei Municipal de n.º 630/2020 e 631/2020, correspondendo cada as fls. 45/46 e 50/52, do id. n.º 31234831;   decreto municipal n.º 13/2020, fls. 01/07, do id. 31234832, edital do seletivo simplificado às fls. 49/66, termo de encerramento do procedimento administrativo, id. 31235195, edital de concurso n.º 001/2019, id. 31235205 e quadro de vagas do concurso, id. 31235206. 

                    Notificado, o Município de Santa Inês justifica a importância do processo seletivo simplificado, concomitante com o concurso público em curso, sob a égide do edital 001/2019, em razão de vários profissionais da área da saúde, que atuavam na linha de frente, terem contraído a doença no decurso da pandemia, sendo a modalidade célere e o objetivo da legislação municipal editada recentemente quanto à criação de cargos, vagas e salários no quadro de pessoal temporário da Prefeitura Municipal de Santa Inês surgiu da necessidade extraordinária de combate ao coronavírus (COVID-19).

                    Anexo a justificativa prévia, recomendação n.º 004/2020 – 1ª PJSI, id. n.º 31428334, edital de divulgação n.º 001-30/ cronograma do concurso, id. n.º 31428335, Decreto n.º 28/2020, id. n.º 31428337, informativo de profissionais da área da saúde afastado, id. n.º 31428342.

                    Os autos vieram conclusos.

                    Eis o resumo dos autos.

                    Decido.

                    Trata-se de pedido de tutela provisória de urgência antecipada realizada pelo Ministério Público Estadual para que se suspenda a execução da Lei Municipal nº 630/2020 e parcialmente da Lei Municipal nº 631/2020, de modo que esta última tenha validade apenas no que concerne aos cargos de médicos anestesistas, com a continuidade do processo simplificado de n.º 001/2020 em relação a este cargo e do concurso público de n.º 001/2020.

                    A tutela provisória de urgência é técnica processual de antecipação dos efeitos finais da tutela jurisdicional definitiva ou de preservação do direito envolto, para evitar os transtornos causados pelo decurso do processo.

                    Encontra-se prevista no art. 294 do CPC, juntamente com a tutela de evidência.

                        A mencionada técnica processual, conforme dispõe o art.300, do CPC, será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil ao processo (fumus boni iuris e periculum in mora).

                    Assim, permite ao juiz, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida na inicial, desde que se convença da verossimilhança da alegação e que haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação em decorrência da demora na prestação jurisdicional.

                    Esta espécie de tutela provisória pode ser dívida em cautelar ou antecipada, dependendo dos efeitos produzidos, com base no parágrafo único do artigo 294 do CPC, ou seja, a primeira visa assegurar a viabilidade da realização de um direito e a outra tem cunho satisfativo.

                    Introduzido referidos conceitos, examinar-se-á o pedido do Ministério Público Estadual, em conformidade aos mesmos.

                    Inicialmente, a Lei Municipal n.º 630/2020 versa sobre a criação de cargos, vagas e salários temporários na Prefeitura Municipal de Santa Inês, para o enfrentamento da pandemia.

                    Em uma primeira análise, verifica-se a impossibilidade de manutenção da referida legislação no ordenamento municipal, vez que não é possível a criação de cargos temporários no serviço público, pois estes são sempre permanentes.

                    Na verdade, quando o inciso IX do art. 37, da Carta Magna fala sobre a contratação por tempo determinado, o que deve ocorrer mediante a especificação da respectiva emergência e conforme regulamentação legal, não se trata de contratação de pessoal, para ocupação de cargo público, mas de exercício de função pública em caráter precário momentâneo.

                    Há nítida diferença entre cargo e função pública, como bem ensina Cunha Júnior (2010, p. 284), está “são um conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional que devem ser acometidas a um servidor” e aquelas como conceitua Mello (2012, p. 259) “as mais simples e indivisíveis unidades de competência e a serem expressas por um agente”.

                    Assim, os contratados temporariamente exercerão funções públicas, porém não como integrantes de um quadro permanente, que são os servidores públicos ingressos em cargos públicos.

                    É sempre bom lembrar a doutrina do mestre Hely Lopes Meirelles sobre está definição:

“Tais servidores não ocupam cargos, pelo quê não se confundem com os servidores públicos em sentido estrito ou estatutários, nem se lhes equiparam. São os que o Município recruta eventualmente e a título precário para a realização de trabalhos que fogem à rotina administrativa, como os destinados à execução direta de uma obra pública, no atendimento de situações de emergência ou à cessação de estado de calamidade pública”.

                        Assim, resta claro a probabilidade do direito, em virtude da impossibilidade de se criar cargo, para função temporária, no quadro da administração pública, em tempos de pandemia.

                    Quanto ao risco ao resultado útil do processo também está visível, pois tal previsão cria cargos em caráter temporário, precedente perigoso e inconstitucional no âmbito municipal, inclusive, resvalando na própria seara  administrativa, com conclusões precipitadas de que haveria necessidade de maior número de cargos permanentes, o que poderia causar embaraços no andamento do concurso público e acarretamento da sobrecarga na folha de pagamento administrativa.

                    Em relação a Lei Municipal de n.º 631/2020, a mesma aborda sobre processo seletivo simplificado para atender as necessidades da Secretaria Municipal de Saúde, para enfretamento da pandemia covid-19.

                    Esmiuçando os autos, alcança-se a probabilidade do direito, posto que, como dito alhures, para realização de processo seletivo simplificado nos moldes do art. 37, inc. IX, do CF não se deve versar sobre cargo permanente existente na administração, em vacância, e sim para função pública temporária.

                    Deduz-se do atual cenário que o processo seletivo simplificado visa o preenchimento dos cargos vagos na secretaria de saúde, por ser procedimento mais célere, em face da pandemia, porém esta contratação temporária de servidores, para cargos já existentes na Administração Pública Municipal e vagos, fere a legislação maior do País, por não permitir a ocupação de cargos previstos em lei, por tal procedimento simplificado, os quais somente devem ser preenchidos  mediante concurso como determina o art. 37, inc. II, da CF, como se pode ver do comparativo entre o anexo único do seletivo, pág 53/54, de id. 31234831, e do anexo I, pág 18/19, de id. 31235205.

                    O preenchimento do quadro de pessoal permanente da administração pública na área da saúde ataca princípios basilares da administração pública, como da legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência e traz prejuízos diante da qualidade profissional do servidor público ocupante de cargo efetivo por concurso público e da quebra da continuidade do serviço se realizado por servidor eventual.

                    Assim, somente pode ser objeto do procedimento seletivo função pública que não esteja contemplada em cargo no presente edital de concurso público, que, no caso, vislumbra-se momentaneamente o de médico anestesista.

                    É muito importante ressaltar que o Município de Santa Inês pode realizar procedimento seletivo para área da saúde,  em razão da pandemia, porém, para fazê-lo, deve demonstrar a carência da função, com o fito de preenchimento, por servidor transitoriamente, fora do quadro de servidores permanentes,  por motivo de emergência, conforme citação suso do mestre Hely Lopes Meirelles, como exemplo, seja pelo elevando índice de licenças médicas dos concursados e alto índice de pacientes contaminados pelo coronavirus, extrapolando a capacidade de atendimento da rede municipal de saúde, ou para exercerem funções em hospitais de campanha, com documentação administrativa probatória.

                     A respeito, citam-se precedentes da Corte Suprema:

A regra é a admissão de servidor público mediante concurso público. C.F., art. 37, II. As duas exceções à regra são para os cargos em comissão referidos no inc. II do art. 37, e a contratação de pessoal por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. C.F., art.37, IX. Nesta hipótese, deverão ser atendidas as seguintes condições: a) previsão em lei dos casos; b) tempo determinado; c) necessidade temporária de interesse público; d) interesse público excepcional. (Supremo Tribunal Federal. ADI 1500/ES, Relator: Ministro Carlos Velloso, Tribunal Pleno, 19.06.2002, DJ 16-08-2002)

EMENTA: CONSTITUCIONAL. LEI ESTADUAL CAPIXABA QUE DISCIPLINOU A CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE SERVIDORES PÚBLICOS DA ÁREA DE SAÚDE. POSSÍVEL EXCEÇÃO PREVISTA NO INCISO IX DO ART. 37 DA LEI MAIOR. INCONSTITUCIONALIDADE. ADI JULGADA PROCEDENTE. I – A contratação temporária de servidores sem concurso público é exceção, e não regra na Administração Pública, e há de ser regulamentada por lei do ente federativo que assim disponha. II – Para que se efetue a contratação temporária, é necessário que não apenas seja estipulado o prazo de contratação em lei, mas, principalmente, que o serviço a ser prestado revista-se do caráter da temporariedade. III – O serviço público de saúde é essencial, jamais pode-se caracterizar como temporário, razão pela qual não assiste razão à Administração estadual capixaba ao contratar temporariamente servidores para exercer tais funções. IV – Prazo de contratação prorrogado por nova lei complementar: inconstitucionalidade. V – É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de não permitir contratação temporária de servidores para a execução de serviços meramente burocráticos. Ausência de relevância e interesse social nesses casos. VI – Ação que se julga procedente(ADI 3430, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 12/08/2009, grifo nosso).

                    Por fim, quanto ao prosseguimento do concurso público edital n.º 001/2019, a própria Administração Pública Municipal notícia sua continuidade, com prazo para termino em julho de 2020. Todavia, observa-se certa morosidade no cronograma comparado com o anterior, o que deve ser observado pelo Município para que o faça em tempo diminuto, em face do princípio da eficiência.

                    Em função do exposto, com base no art. 300, do CPC, concedo a tutela provisória de urgência antecipada para que o Município de Santa Inês, no prazo de 24 horas, da data da intimação: a) suspenda a lei municipal n.º 630/2020, por não se coadunar com o art. 37, inc. II, da CF; b) suspenda parcialmente a lei municipal n.º 631/2020, a fim de permitir somente o prosseguimento do procedimento seletivo  em relação a função pública transitória, de médico anestesista e/ou de outra função pública transitória necessária, diante da excepcionalidade,  para preenchimento de licenças médicas de servidores da área da saúde que atuem diretamente no combate da pandemia, no prazo destas, desde que não abrangidas por cargos públicos existentes, comprovada documentalmente administrativamente, com envio de cópia ao MP, consoante art. 37, inc. IX, da CF e c) prossiga o concurso público regido sob o edital 001/2020, consoante, art.37, inc. II da CF. 

                    Aplicar-se-á multa diária, se descumprida a ordem judicial, no prazo estipulado, ao Município réu, no valor de R$ 1.000,00 (hum mil reais), não podendo ultrapassar o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), a ser revertido a fundo municipal de saúde e ao  Gestor Municipal multa, com base no art. 77, inc. IV, § 1º, do CPC, no valor de 20% (vinte por cento) sobre a causa.

                    Intime-se o requerido para tomar ciência do teor desta decisão.

                    Deixo de designar audiência de conciliação, considerando que a hipótese dos autos se refere a direitos que não admitem autocomposição (art. 334, § 4º, II do Novo CPC).

                    Cite-se, desde já, a Municipalidade, para, querendo, apresentar contestação, no prazo legal.

                    Decorrido o prazo, com ou sem manifestação, intime-se o representante do Ministério Público Estadual.

                    Serve a presente decisão de ofício e mandado, para fins de ciência e cumprimento, por um dos Oficiais de Justiça, e na falta destes, por motivo de licença médica, pela Senhora Secretária Judicial, acompanhada de servidor, para o ato.

                    Intimem-se as partes desta decisão. Cumpra-se.

                    Santa Inês, Ma, 30 de maio de 2020.

Assinado eletronicamente por: DENISE CYSNEIRO MILHOMEM
31/05/2020 11:34:40

William Junior

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